Lavapés, o rio das nossas vidas. Por Berenice Balsalobre
A geração que, no início dos anos 50, ainda não passou a vestir calças compridas, cresceu no entorno do rio ou dentro dele.E, antes dela, foram várias as gerações de meninos e rapazes a desfrutar de suas águas.Do primitivo Bosque do Sossego, onde era possível nadar, pescar, remar e descansar nas tardes calorentas dos anos 20, às bicas e chafarizes que somente foram abandonadas quando já era impossível ficar perto de suas águas, o Lavapés foi referência para os botucatuenses.Foi para os namorados que, nos anos 10 do século XX, freqüentavam o Chafariz dos Amores; foi para os meninos que, travessos, insistiam em cruzar seu leito de fora a fora, desafiando as pedras pontiagudas, a procurar pelos cascudos tão escondidos em suas tocas; foi para os carroceiros que extraiam a sua areia e davam o pão à mesa de suas famílias; foi para as rezadeiras, que, apiedadas dos lavradores, lavavam os santos em suas águas benfazejas, a solicitar o fim das prolongadas estiagens; foi para as lavadeiras, que, com a ajuda de suas águas, faziam o contra-canto a seus amores e paixões; foi - o Lavapés – o Rio das Nossas Vidas, o mesmo que agrupou o primeiro magote de homens, índios, ou tropeiros e fixou-os para formar nossa cidade.Que venha logo,o último dia do resto da vida do Rio Lavapés : o primeiro sem tipo algum de esgoto. E que voltem as crianças,as flores, os peixes, as garças, a vida ...
O belo título e o texto acima foram escritos pelo historiador João Carlos Figueiroa, extraídos do livro “Lavapés – Água e Vida”, material didático para uso dos professores da rede municipal, complementar à sua formação sobre os aspectos sócio ambientais da cidade e editado pela Prefeitura Municipal em 2008. Figueiroa dedica algumas páginas à história do Lavapés, desde meadas dos 1800, a partir de uma foto histórica da cidade.
Destaca então como início da contaminação do Lavapés, a crise brasileira vivida após 1930, que coincide com a chegada de Getúlio Vargas e tem suas raízes na crise mundial de 1929. Diz “ A cidade mergulhou em vertiginoso “parafuso” e, quando os anos 50 chegaram, restava pouco daquela cidade vigorosa, ...O ramo dos curtumes aguentou, mas encolheu,... Assustada com o encolhimento de sua economia e a falta de empregos, a cidade fez vista grossa para os rejeitos do curtimento do couro que os curtumes sobreviventes continuavam a lançar efluentes na Água da Boa Vista (que deságua no Lavapés) no Córrego Tanquinho e no próprio Ribeirão Lavapés.
Prossegue Figueiroa, contextualizando a situação da crise no abastecimento de água da cidade, apesar da perfuração de alguns poços artesianos e da construção de alguns reservatórios elevados para o armazenamento de água, ... Mas o pesadelo estava apenas começando ...A crise do abastecimento antecedeu a desativação da coleta e o tratamento de esgoto. Por absoluta falta de recursos para investimento, optou-se por atirar os dejetos, que antes eram tratados, nos ribeirões Lavapés e Tanquinho. A caixa foi abandonada e não se falou mais nisso. De todos, esses pode ter sido o fator de maior impacto sobre a qualidade de vida na cidade de Botucatu, a poluição dos ribeirões, deliberada como opção.
Hoje o Lavapés não é mais depósito dos dejetos e a cidade tem tratamento de esgoto. Sua água tem maior oxigenação, mas o ribeirão Lavapés, marco cultural da cidade esta pouco celebrada. Suas margens estão sujas, e longe se ser um atrativo.
Bom e justo seria que o Lavapés inspirasse beleza e poesia, fosse fonte inesgotável de orgulho e amor da cidade, como o belo e emotivo texto e título, emprestado do Figueiroa, que abre esta coluna. O Lavapés merece um Parque em suas margens, para que o encanto volte e o rio renasça.
Berenice Balsalobre é Advogada e Ambientalista