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OPINIÃO
21/07/2017
ECOS DO ESCRAVISMO - Parte 2.
Por Valdemar Pinho


A partir de 1532 começa a colonização do Brasil. Nessa época as estimativas são que a população indígena era de 1 a 3 milhões. Os brancos eram portugueses, na maioria camponeses pobres agregados aos senhores que vieram para ocupar as Capitanias, e alguns “criminosos” degredados. Os indígenas foram os primeiros escravizados, mas com grandes problemas. Por conhecer o território os escravizados tinham mais facilidade para fugir e se esconder, e algumas ordens religiosas (principalmente os jesuítas) passaram a defendê-los. Outro problema foi que a população indígena decresceu progressivamente, com alta mortalidade por doenças trazidas pelos colonizadores e genocídios. Até a independência 2/3 deles tinham sido exterminados. Optou-se então pela importação de escravos africanos. As estimativas são que 4 milhões de escravos negros foram transportados ao Brasil. O número de mestiços cresceu continuamente. Em 1800, correspondiam a 20 a 30 % da população. Eram mulatos (brancos com negros) e caboclos (brancos com índios) não reconhecidos como “cidadãos”, continuando como escravos ou libertos e pobres. Os escravos constituíam a maioria da população brasileira até 1850, quando o governo implanta políticas de estímulo à imigração de europeus e asiáticos. A população era constituída de: a) poucos proprietários dos meios de produção (incluindo escravos); b) funcionários da burocracia estatal e policiais; c) “homens livres”, com poucas propriedades, na maioria pequenos comerciantes, artesãos e garimpeiros; d) escravos; e) indígenas isolados em tribos.

Na estratificação social da época havia uma pequena minoria “com posses”, que, a partir da implantação de eleições, foram os únicos aptos a votar. Para manter a sociedade sob controle a minoria de proprietários utilizaram diversos mecanismos repressivos e ideológicos, adequados ao comportamento dos “não cidadãos”. A maior ameaça vinha dos escravos, por serem a maioria da população e a principal força de trabalho. Alguns tinham o “privilégio” de trabalhar nos serviços domésticos da Casa Grande, serviços menos penosos. Esses eram escolhidos entre os mais dóceis e predominavam as mulheres. Os que trabalhavam na produção agrícola e na mineração viviam em condições precárias e se rebelavam, e fugiam se tivessem oportunidade. Os que conseguiam se reagrupar formavam quilombos, compostos principalmente por negros, mas também por índios e brancos pobres. As rebeliões, como a dos malês na Bahia e de Manuel Balaio no Maranhão, e os quilombos, dos quais o dos Palmares foi o maior e resistiu por mais de 100 anos de ataques, colocavam em risco o modo de produção escravista, pois mostravam aos escravos que era possível almejar a liberdade. O Estado colonial, e depois a monarquia, mantinha um corpo policial orientado a reprimir as “ameaças à ordem” (incluindo a rebeldia dos escravos), mas os senhores contavam também com suas próprias forças repressivas, os feitores e milícias compostas por capitães do mato. Cabia aos feitores castigar os escravos que se recusassem a trabalhar, para submetê-los e como exemplo para os demais. Já os capitães do mato eram os responsáveis por buscar os negros fugidos e recebiam recompensas em dinheiro por cada escravo capturado. Eram compostos por homens pobres e ex-escravos libertos que não tinham outra forma de subsistência e, por isso, eram vistos com desconfiança. Os senhores indicavam ao aparato do Estado os homens “confiáveis”, que eram registrados e autorizados, e recebiam armamento para cumprir suas funções. Com isso os rebelados foram caçados e mortos, mantendo a lógica escravista.

Era o aspecto repressivo na manutenção da ordem. Mas havia outros mecanismos de legitimar o “status quo”. Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o barão do Paty do Alferes, em seus escritos orienta os senhores a tratar bem os escravos, dando-lhes três refeições por dia e não aplicar castigos além dos necessários. Recomenda também que “O escravo deve ter domingo e dia santo, ouvir missa, se a houver na fazenda, saber a doutrina cristã, confessar-se anualmente: é isto um freio que os sujeita muito, principalmente se o confessor sabe cumprir o seu dever, e os exorta para terem moralidade, bons costumes, amor ao trabalho e obediência cega a seus senhores e a quem os governa”. Esse e outros mecanismos garantiram a aceitação da organização social injusta, instaurando a “harmonia” entre a Casa Grande e a Senzala. Após a abolição da escravidão a estrutura produtiva da sociedade, e algumas de suas características, sofreu mudanças. Mas os resquícios das ideologias construídas entre 1532 e 1888 se mantêm. A aceitação como “naturais” das desigualdades sociais e dos privilégios de minorias são ecos da nossa história que até hoje alguns lutam para mudar e outros para manter. A história define as nossas consciências.

 

Pinho é médico - Ex-vice-prefeito de Botucatu
Artigo publicado no Diário Botucatu




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